terça-feira, 3 de junho de 2008

Eita trem bão!

Eita sô, que a festa foi boa! Até caipira teve apresentando.


O Quadrilhodrómo do Tucumã, normalmente usado para o Concurso Regional de Quadrilhas em Rio Branco, foi o palco para um Arraial pra lá de diferente. Fogueira, bandeirinhas e comidas típicas fizeram o clima da noite de sábado (31/05). Mas em vez das clássicas cantigas juninas, o Rock com suas diversas facetas tomou conta do "Catraia na Roça" e animou o tímido público que se encontrava – apesar do frio – prestigiando o evento. Teve até quem misturou os dois, a banda Marlton, por exemplo, improvisou uma divertida versão de "Anarriê".

Mas vamos por partes, porque a Marlton foi no final. Antes dela muita coisa já tinha acontecido, e tudo começou com as bandeirinhas. Como um bom arraial, não podia faltar. Mutirões foram feitos, na casa dos integrantes, na sede do Catraia, por dias tudo que se via eram as benditas. Mas a festa não foi feita só delas, teve muito mais, e a produção trabalhou por dias para transformar o Quadrilhodrómo num palco perfeito para o roça’n’roll. “Juntamos a galera do catraia e os amigos dispostos a ajudar e fomos ao trabalho. Teve de tudo: mutirão das bandeirinhas, entrar no mato em busca de palha para decoração, comidas, fogueira. A intenção é fazer o melhor possível” explicou Ana Helena, colaboradora do Núcleo de Produção do Catraia.

Tudo isso para que as bandas possam fazer o seu show. E não faltou música neste arraial, que começou com a apresentação da Capuccino Jack, que não pisava nos palcos desde o Grito Rock Tarauacá. Dois meses que serviram para trazer novidade. Eles apresentaram uma música nova, intitulada “Leito de Procusto”. Intensa, como a maioria de suas canções. A banda, que em Março completou um ano de existência, mostrou que aos poucos está evoluindo.

Aarão Prado e Gilberto Lucas, da Camundogs, voltam com toda força


Na seqüência outra banda que andava longe dos palcos Catraieiros: Camundogs. Os rapazes que estavam há cinco meses escondidos, voltaram com força total, tendo Chico Mouse de volta ao Violoncelo e Aarão Prado com uma disposição invejável. Trouxeram canções novas e bem diferentes, letras maduras, que falam de amor, perdas e medos de uma forma sarcástica e divertida. Algo que é preciso experiência para fazer, mas isso é o que não falta nesse grupo, né?

Experiência é o que a Marlton vem conquistando com seus três anos de existência. A banda que recentemente foi contemplada na Lei Municipal de Incentivo à Cultura, fez um ótimo show. Abriram com uma versão rock’n’roll de Anarriê, apresentaram a novíssima "Reconstrução” – com uma linda letra do baterista Thiago Melo, musicada em conjunto pela banda - e mostraram que os “meninos” não estão pra brincadeira, embora brinquem sempre.



Rodrigo Oliveira, da Marlton.

A última banda a se apresentar foi a Nicles. O vocalista, Kilrio Farias, não economizou gritos para deixar as letras ainda mais fortes. O show foi, com falta de palavra melhor, do caralho. Se os termômetros estavam baixos, os meninos conseguiram aumentar uns bons graus. A guitarra estava fortíssima, seus rifes podiam ser ouvidos com clareza por todo o Quadrilhodrómo. Para mim, foi uma das melhores apresentações da banda.

Os esforços não foram medidos, da decoração à sonorização, das comidas às bandas, tudo para que público pudesse aproveitar a festa. O trem foi bão, quem perdeu foi besta sô.

Fotos: Thays França e Veriana Ribeiro


crítica
Cinco Graus Negativos
Por Janu Schwab

Fazia frio. Daqueles de congelar a ponta dos dedos. Daqueles que deveria fazer durante um mês inteiro, para que se pudesse esquecer do calor que nos é costume por essas bandas. Daqueles que fazem a gente falar pausadamente, enquanto treme o queixo. Certo, vá lá. A friagem não chegou perto dos cinco graus negativos que já peguei uma vez na fronteira do Brasil com o Uruguai, quando inventei de visitar a outra banda da família, em pleno inverno gaúcho. Mas para quem já se acostumou com um constante sol de rachar moleira, a noite de sábado, data marcada para o arraial Catraia na Roça, que rolou no quadrilhódromo do Tucumã, foi uma das mais frias do ano.

Marcada para começar às 21h40, a festa foi esquentada pela volta de duas bandas que andavam distantes. A primeira delas, Cappuccino Jack, não se apresentava há um bom tempo, desde que voltaram da participação do Grito Rock Tarauacá, em março. Mesmo sem shows marcados, a Cappuccino sempre esteve presente nos ensaios do Estúdio Catraia Sonora - às vezes ensaiando mais de duas horas. No sábado, mostraram o resultado: mais coerência, desenvoltura, harmonia e blablablás técnicos entre voz e instrumentos. Um lugar comum seria dizer que a banda amadureceu. Mas isso não interessa agora. Fazia frio naquela noite e frio por aqui é algo incomum.

O público tímido, parecia congelar com o vento, com as melodias e versos tristes da trupe Cappuccino. São meninos tristes, muito tristes. Tristes de verdade? Não sei. Lembrariam Coldplay, se não fosse pelo baixo reclamão de Hugo Costa - que tem groove no sangue e na pele. As músicas são fortes e vertem carregadas de pessoalidades. Difíceis de cantar junto. Na platéia havia quem entortasse a cara. Como havia quem não desgrudasse os olhos, atentos a cada sopro de voz, rife de guitarra ou breque de bateria.

A Cappuccino Jack lamenta primorosamente a alegria do dia-a-dia, assim como as verdades e mentiras que a rotina carrega. E para isso, muita gente não tem saco. Respiram aliviadas quando a banda diz obrigado, tchau! É, cantar pessoalidades é algo delicado. As letras intimistas de André Lima bebem na métrica de poetas como Renato Russo ou Cazuza enquanto criam gráficos e paisagens além das que os olhos daqui conseguem ver. Falar do mar, para quem se afoga num isolado oceano verde de florestas soa estranho. Mas a referência poética pára por aí, congelada por um vento frio que vem de dentro. Há um quê de verdade no que é cantado.

A Cappuccino Jack apresentou uma nova composição. O nome rebuscado (Leito de Procusto, referência a mitologia grega) disfarça uma melodia simples e bonita, com um pé bossacucanovasambadealgumacoisa, apontando uma provável guinada estética da banda. É preciso estar atento a verve criativa desse pessoal. Mas é só. A Cappucinno Jack é uma daquelas bandas que sobem ao palco e fazem seu show de forma burocrática. Aparecem aqui e ali, não trocam uma idéia, não falam sobre o assunto. Talvez seja timidez. Mas talvez seja falta em creditar e acreditar no próprio projeto e na sua importância para uma cena independente tão carente como a nossa.


Sumidos, Não Mais.

Outra banda sumida das vistas e ouvidos até então era a veterana Camundogs. Alheios, por opção, aos movimentos da cena independente de Rio Branco, os caras se fecharam em seu ninho de ratos, compondo, musicando, suturando e cicatrizando feridas nem tão abertas, tampouco fechadas. Havia um desconforto na Camundogs em ser a Camundogs. O nome, o som, o isso e aquilo, um desconforto em caminhar os mesmos passos. Meses sem tocar, sem dar as caras, sem dizer um dó-re-mi. Adeus aos hits locais que faziam os locais baterem no peito com orgulho e dizer: yes, nós temos pop-rock!

Aarão Prado, o frontman da banda que, ao lado do Los Porongas, participou da retomada da cena independente de Rio Branco, deu um ultimato em si mesmo e garantiu vida nova a sua criatividade. Ele e a banda queriam o novo. Mudar o nome? O estilo? Eliminar as guitarras? Inserir cítaras, gaitas de fole, sopros? Nas horas vagas - assim como seu colegas ricos, Bono Vox, do U2 e Chris Martin, do Coldplay - Aarão bebe na fonte do folk soturno do saudoso Johnny Cash. Sem querer, já querendo, há um pouco de Cash em Aarão - assim como havia Aarão em Cash. Claro, porque não? O universo é um só. Há no camundog Aarão um certo monocórdio tom irônico e um ar brejeiro de quem diz "Eu sou eu, boi não lambe. Mas me perdoa?".

Aarão vê na prosa e poesia a tábua da salvação para sua banda. Conta histórias, dando pistas. Os versos às vezes se embaralham em palavras soltas afogadas nos goles do vinho que ele insiste em beber. Ele faz pose e graça. As guitarras às vezes aparecem demais - daí o plural, quando o certo seria o singular. E o insólito violoncelo parece lutar com os teclados por um espaço seu. Mas é um espetáculo à parte ver esses caras propondo algo maior que o um-dois-três-quatro punk e puril que muita banda insiste em imitar. A Camundogs pensa e quer grande. Salvas as devidas proporções, a Camundogs está para Rio Branco, como a Nenhum de Nós está para Porto Alegre. O próprio Gilberto Lucas, guitarrista da Camundogs, parece o sósia do baterista da banda gaúcha, Sady Homrich.

Considerada cafona por uns e impecáveis do power-pop, por outros, a Camundogs é, sem dúvida nenhuma, uma das bandas mais competentes desse Acre um pouco meu. Tocam para cinquenta pessoas como se tivessem tocando para mais de dez mil. Produzem músicas como se bebessem água, gravam clipe, shows em vários formatos e parecem estar sempre na varanda de casa, a vontade. Ali sim existe uma harmonia entre integrantes, instrumentos, músicas e equipamentos. Uma harmonia típica de Clube do Bolinha. Como acontece com a Cappuccino Jack, há quem torça o nariz para a Camundogs. Assim como há quem se curve diante da majestade de uma banda de seis camaradas que faz um som redondo. Redondo para uma época em que ser redondo é estar fora de forma.


Janu Schwab
é publicitário e colaborador do Catraia

2 comentários:

Anônimo disse...

Massa, Hugo Costa, Costa.
Obrigado!
o/

Anônimo disse...

o texto é bom, mas isso não importa!